segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Consciência e aprendizagem


A palavra consciência pode significar "com ciência", ou seja, "com conhecimento", "estar ciente de".

No meu entender, temos consciência por meio da relação entre nossas percepções, nossos sentidos, que recebem estímulos com significado diante da série de informações que já temos armazenadas - por memória - e às quais estas informações novas selecionadas associam-se. As nossas percepções se delimitam por nossas experiências anteriores, nossa genética, nossas crenças, regras, princípios, valores, que norteiam nosso comportamento, nossos hábitos, nossa opinião e escolhas diárias.

E, além disso, em condições normais de saúde física e mental, temos consciência de que somos conscientes ou inconscientes em relação a questões e momentos específicos.

Os estudos da consciência, pelas mais diversas correntes da medicina e psicologia, entre outras ciências, certas vezes promovem mais dúvidas do que esclarecimentos para nós leigos, mas é sempre prazeroso tomar conhecimento de uma nova descoberta da neurologia.

Veja matéria abaixo publicada pela FAPESP.

Divulgação Científica

Sinais conscientes

Agência FAPESP – Um estudo feito por um grupo de cientistas da Argentina e do Reino Unido indicou que algumas pessoas em estado vegetativo ou de consciência mínima são capazes de aprender e, portanto, de demonstrar pelo menos uma consciência parcial.

A primeira comprovação do gênero, que abre novo caminho para futuras terapias de reabilitação, está em artigo publicado neste domingo (20/9) no site da revistaNature Neuroscience.

Ao estabelecer que tais pacientes são capazes de aprender, os autores do estudo apontam que o método que utilizaram poderá ser usado para verificar o estado de consciência sem precisar recorrer a métodos de obtenção de imagens, como tomografias computadorizadas.

A pesquisa foi feita por cientistas da Universidade de Buenos Aires e do Instituto de Neurologia Cognitiva, na Argentina, e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Com uso do método clássico de condicionamento pavloviano, os pesquisadores emitiam um tom sonoro e imediatamente ativavam um aparelho que soprava ar nos olhos dos pacientes. Depois de um período de treinamento, os pacientes começaram a piscar assim que o tom era emitido, mas antes de o ar chegar a seus olhos.

Os autores destacam que esse processo de aprendizagem exige consciência da relação entre estímulos – o tom precede e prevê o ar no olho. O mesmo tipo de aprendizagem não foi verificado em exames dos pacientes do grupo controle, composto por voluntários anestesiados.

Os pesquisadores apontam que o fato de os pacientes serem capazes de aprender associações indica que eles podem formar memórias e eventualmente se beneficiar da reabilitação.

“Esperamos que esse método se torne uma ferramenta útil e simples para o teste de consciência sem a necessidade de exames de imagens. Além disso, nossa pesquisa sugere que, se o paciente mostra capacidade de aprender, ele poderá atingir algum tipo de recuperação”, disse Tristan Bekinschtein, da Universidade de Cambridge, primeiro autor do estudo.

O artigo Classical conditioning in the vegetative and minimally conscious state, de Tristan Bekinschtein e outros, pode ser lido por assinantes da Nature Neuroscience em www.nature.com/neuro.

Fonte: http://www.agencia.fapesp.br/materia/11096/sinais-conscientes.htm

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Por uma definição de "amar"


Sempre que algo me incomoda, uma sensação de irritação, desconfiança, medo, raiva, toma conta de mim, no instante seguinte, o pensamento: ‘como seria enfrentar esta situação com amor?’

E o que é o amor? É certo que é um conceito convencionado, mas existe algo que se desperta em nossa mente e nossas emoções quando dizemos ou pensamos nesta palavra. Provavelmente, acessamos todos os pensamentos e sentimentos relacionados a este conceito, guardados no inconsciente coletivo; todos os momentos em que a palavra foi pronunciada com a intenção que ela carrega.

Mas, finalmente, se tivéssemos que definir, usaríamos símbolos, imagens, outras palavras, que ao longo dos séculos foram e são associadas ao ‘amor’ ou ao ‘amar’. No entanto, ocorre algo em nossas sensações, uma mudança que identifiquei todas as vezes que, no instante seguinte a um de medo, de irritação ou desconfiança, vivencie, pensei, ou mesmo pronunciei a palavra ‘amor’.

Ela veio, todas as vezes associada a respeito, a admiração, a reverência, a compreensão, a gratidão, a desapego. Mas, recentemente, estive pensando sobre a palavra, motivada por outras questões – e não por sensações – e percebi que, mais do que tudo, amar é compreender, é um sinônimo até de ‘saber’, ‘sabedoria’. Porque eu sinto que o sentimento de amor que se desperta em mim ocorre não quando desejo muito alguém, ou estar com uma pessoa, ou vivencio momentos de paixão, nem mesmo quando acaricio um familiar muito querido.

Ele se desperta quando ‘sei’ a posição das coisas e das pessoas, o lugar que elas ocupam na minha vida, sei a posição que eu ocupo e porque as relações se dão de uma maneira ou de outra. Eu simplesmente sei que é assim que deve ser. Compreendo o porquê a irritação me toma, o porquê das reações adversas das outras pessoas. Compreendo que, seja o estágio evolutivo que for em que estivermos, seja qual for nosso grau de autoconhecimento e sabedoria, todos temos boas intenções quando tomamos uma atitude, pareça ela boa ou má, no mínimo fazemos por instinto de sobrevivência de nós mesmos ou da espécie.

Então, vejo que quando sabemos, brota um sentimento de paz, e de que todos estão executando seus papéis como deveria ser, de que os sistemas em que estamos inseridos exercem um poder sobre nós e, muitas vezes, nos forçam a fazer coisas, a executar tarefas, a vestir roupas, a consumir, entre outras atividades; porque é neste ambiente, neste espaço e neste tempo que fomos designados a viver. Podemos buscar alternativas, podemos tentar nos isolar, fugir desta trama social em que nascemos, mas a verdadeira evolução se dá nela. Não me convenço de que é algo admirável o homem mais feliz do mundo estar num monastério. Até porque o conceito moderno de ‘felicidade’ é bastante Holliwoodyano. Respeito a escolha dos monges, mas é a diversidade de coisas e pessoas, e o turbilhão de vidas que se misturam em pensamentos, sentimentos, necessidades, desejos, sensações, ações e atitudes, que tornam mais intenso e venerável o processo de evolução e de autoconhecimento.

Por fim, concluo que amar é um sentimento de sabedoria suprema. É algo que lhe dá imensa gratidão de estar onde está, de ser quem é... e de que as pessoas que estão a seu lado estejam lá, que as que não estão, estejam vivendo suas vidas como deve ser, e entender a grandiosidade do mundo, da vida e a interdependência entre os seres e coisas, que faz do universo uma série de partículas, que se movem sem parar, num processo infinito de transformação, fora e dentro de nós, e que tecem aquilo que chamamos ‘realidade’.

domingo, 13 de setembro de 2009

A máquina


A máquina trabalhava todos os dias da semana, expediente de mais de 8 horas diárias, número não contabilizado na CLT. Mas, afinal, era só uma máquina. Embora, no fim das contas, parecesse mais um confessionário em que o crédulo “lava seus pecados”.

Bom, mas este não é o início da história. Tudo começa numa neurose. E o que começa em neurose nunca termina, por isso, esta história a exemplo do livro de Michael Ende, é uma história sem fim.

Mas, esta neorose também não pode existir sem o neorótico, então vamos lá.

O Sr. Avelino acordava, todos os dias, às 6h em ponto, nem um minuto a mais nem a menos. Este era o horário que seu despertador costumava tocas durante 30 anos de sua vida, período em que trabalhava pela manhã.

Embora seu expediente só começasse às 13h, de uns 10 anos para cá, ele continuou com um despertador biológico que não o deixava passar das 6h ainda que tomasse o remédio para dormir.

Então, diariamente, pulava da cama como gato posto pra correr e, depois da primeira parada no banheiro, p fogão e a máquina estavam a sua espera.

Água posta pra ferver, seguia até a lavanderia. Tão logo chegava, já iniciava a programação da máquina: roupa do cesto no tambor e aquele som de água enchendo, tranqüilizava-o e a deixava trabalhar.

A família toda dormindo por pelo menos mais uma hora e ele pronto para ir aonde quer que fosse necessário, ou claro, ficar ao lado da máquina só observando e sentindo sua vibração enquanto o sabão e a água se misturavam aos tecidos, provocando uma catarse de limpeza em nosso espectador.

E a máquina era sempre assunto, ainda que se falasse de grampos de cabelo, de dinheiro (mais especificamente moedas), de pêlos, ou da empregada.

Máquina era até motivo de nostalgia ou de discussões daquelas triviais entre família. E o sr. Avelino não entendia de roupa, de tipos de tecido ou de moda. Ele só sabia que todas as vezes que uma blusa preta ficava cheia de bolinhas brancas ou encolhia era culpa de sua esposa ou da empregada.

Aquele era um objeto sagrado capaz de afastar as pessoas em momentos oportunos, de lavar tudo o que se dizia ou fazia e que provocasse arrependimento ou mesmo apenas para fazer barulho o suficiente que não permitiria ouvir seus próprios pensamentos e fazer esquecer o que pudesse ter causado dor ou mal estar a alguém.

Fazia chuva ou sol, frio ou calor, dia ou noite, carnaval ou finados, e ela não parava. Bem, isso até surgir um barulho novo. E, sr. Avelino sabia identificar todo novo barulho tanto era o tempo que ficava a seu lado. Preferia lavar roupa e comer pão com carne amanhecida a pagar jantar para a família. Preferia abrir inúmeras vezes a tampa da máquina para inspecionar seu funcionamento a saber o que fazia seu coração bater mais forte e mais feliz.

Mas, não sejamos cruéis, talvez fosse a certeza de que tudo poderia ser limpo que lhe dava forças e alegria para seguir adiante. Talvez aquela vibração fizesse seu coração bater com mais intensidade.

A tecnologia não o surpreendia de fato. Sal avaliação minuciosa do funcionamento das coisas o fazia entusiasmado com uma combinação simples de pilhas e arame ou... água e sabão.

Então, um dia, a máquina começou a emitir um barulho estranho. E, embora sr. Avelino já houvesse executado muitos ruídos da máquina, este era assuntador, agudo como a trilha sonora de Psicose, de Hitchcock.

Chacoalhou de todas as formas. Passou semanas testando tecidos, volume de água, de roupas etc. Queria evitar ao máximo pagar um técnico: “Com certeza é algo simples e vão me cobrar o olho da cara”, dizia à mulher, com ares de papai da família urso – da Turma do Pica-Pau.

Continuou os testes, até que um dia, cansado de experimentar e continuar ouvindo o choro de sua companheira, chamou um profissional especializado e descobriu que o barulho nada mais era do que um suporte para evitar que gatos se alojem em seu interior. Foi uma descoberta totalmente inusitada e sr. Avelino contou esta história por anos a fio, a todos aqueles com quem conversava... no banco, na praça, no médico, no elevador, na rua...

(Aline Daher)

Foto: http://www.maurolemes.com.br/image014.gif

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A simplicidade complexa

Dia após dia, nos deparamos com notícias de catástrofes naturais, milhões de mortes por doenças, assassinatos etc. O volume e a periodicidade destas notícias e, em alguns casos, a forma como são veiculadas - diga-se de passagem, em alguns casos, sem o mínimo de ética - nos tornam, como muitos estudiosos já afirmaram (bem melhor do que eu), passivos, hipnotizados, como se tudo acontecesse naturalmente.

Bem, tenho que concordar que causa certa indignação a passividade em que as pessoas se encontram. Mas confesso que a minha indignação maior não é quanto à passividade dessas pessoas em relação ao que se passa no mundo, mas em relação ao que se passa consigo mesmas.

Nossa mente racional tem por hábito fazer comparações entre situações diferentes e estabelecer uma hierarquia de qual é melhor e qual é pior. Pode ser que alguns tenham razão em dizer que antigamente era muito melhor, porque as pessoas podiam ser escravas, mas elas tinham o que comer. Bom, eu não pretendo chegar a uma conclusão sobre esta hipótese, mas o que posso dizer é que, em toda história do HOMEM, tanto a compaixão quanto a crueldade conviveram, as catástrofes naturais sempre existiram. O que mudou é que na modernidade, nossa mente é invadida a todo instante com imagens e informações sobre os atos de homens das mais diversas etnias e de catástrofes das mais diversas.

As imagens da TV e do cinema, principalmente, criaram um mundo imensamente maior na cabeça do homem moderno do que o era para o homem feudal, antigo, ou pré-histórico. Este processo é interessante porque nos forçou a uma ampliação da consciência, ainda que muitas vezes ela seja mais degradadora do que o contrário.

Costumo pensar que uma verdadeira ampliação da consciência seria ver todas estas notícias, que se tornam habituais, corriqueiras, ordinárias, e compreender que, a crueldade, a compaixão, o amor, a dor, o sofrimento, a morte, a alegria e a celebração sempre fizeram parte da sociedade humana e de seu relacionamento com a Natureza; que embora desejássemos que todos tivessem responsabilidade sobre seus atos e pudessem tratar o mundo e o outro com respeito e amor, não temos controle sobre o comportamento do outro e, portanto, idealismos apenas criam oportunidade para frustrações.

Diante desta realidade complexa, que a mídia intensificou em nossa mente, a saída é olharmos para nós, nossa saúde física, mental, emocional. Indignar-se com as notícias não é verdadeiramente o que fará a diferença, o importante é saber o que cada um de nós vai fazer com estas imagens e informações que invadem nosso dia a dia, por vezes nos consolando, por outras nos agredindo.

Descobrir o que nos move, o que provoca amor ou dor e o que isso faz com nossas vidas, nossa saúde e com aqueles com quem nos relacionamos, é o melhor desafio diário que alguém pode ter.

Eu, sinceramente, muitas vezes, prefiro não saber de algumas notícias, embora jornalista.
Sei que, em alguns casos, não terei controle sobre o que aquela imagem ou informação vai provocar no meu emocional, então simplesmente prefiro não saber. Nossa sociedade valoriza demais aqueles que acumulam toneladas de informações superficiais sobre tudo, mas isso criou muitos homens dispersos, ansiosos, descontrolados emocionalmente, confusos mentalmente, agressivos, egoístas etc. É importante lembrar que toda a agressividade que se apresenta existe de forma latente em todos nós, o que precisamos é, sabendo disso, escolher o que faremos a seguir.

A mídia nos educa a todo momento, consciente ou inconscientemente, mas as instituições que produzem seu conteúdo nem sempre têm compromisso com esta função 'educativa' e, assim, nós temos que assumir este papel, sermos capazes de discernir entre o que é essencial para sermos pessoas melhores e o que nos torna doentes - física, mental ou emocionalmente. Esta é a simplicidade complexa: estar presente, consciente em cada escolha que fazemos, escolher cada imagem e informação a que teremos acesso, diariamente, para que, no longo prazo, o efeito cumulativo seja positivo para nossa qualidade de vida e daqueles que nos cercam.