segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A garota higiu-jitsu


Esta é a história de uma garota que sempre usava o banheiro quando a vontade estava no limite e quando não havia tempo para fazê-lo. Isso eram segundos:

- Antes de uma reunião importante de trabalho;

- Antes de pegar o avião;

- Antes de saltar de para-quedas;

- Antes da noiva entrar na Igreja;

- Antes de iniciar o filme no cinema...

Então, certo dia, Sirlene foi convidada para ir ao cinema com um “gatinho” do trabalho, para assistir o filme de estreia do mês. Aqueles nos quais se formam filas até para comprar balas a R$10,00 a caixinha - que não custa mais do que R$3,00 na padaria.

Num clima de muito romance, Sirlene e seu “gatinho” chegaram ao shopping. O garoto, gentil, abriu a porta do carro, e saíram caminhando, escadas rolantes, corredores a fio, apenas trocando carícias, de mãos dadas.

Chegaram à FIIIIILA do cinema. E esperaram. Como estavam curtindo a companhia, o tempo de fila foi bastante agradável.

Depois de uns 10 minutos, Sirlene começou a sentir uma pressãozinha na bexiga, mas como era de praxe, ignorou.

Compraram o ingresso quando já faltavam cinco minutos para iniciar a sessão. E, então, Sirlene apertou a mão do “gatinho” e, com aquela cara de pânico e um sorriso amarelo falou: “Piciso i ao toalete”.

(Você deve estar pensando: “A autora do texto é preconceituosa e está colocando estereótipos de fala para identificar o personagem”. E eu respondo: “Nãããão. É que a Sirlene tinha este probleminha: toda vez que ficava muito apertada para ir ao banheiro não conseguia pronunciar “R” algum”. Alguém que tivesse uma linguagem “chula” como esta jamais diria “toalete”.)

(Mas, seguindo com a história...)

Então, o garoto respondeu: “Claro, eu também vou”.

Os dedos das mãos se desentrelaçaram e cada um seguiu seu curso.

Sirlene seguiu em frente, olhando para trás até ter certeza de que o “gatinho” não podia mais vê-la. E então apertou o passo e o espaço entre as pernas (bem torneadas pelos treinos de luta) e seguiu apressada até o banheiro.

Quando lá chegou, claaaaro que havia uma fila. Mas eram só duas meninas na sua frente. Ela respirou fundo e resolveu olhar o celular para se distrair. Mas não havia o que olhar, sem mensagens, sem notações, nada. Tudo o que podia pensar era no ínfimo orifício que a pressão interna desejava abrir. E, suas pernas, insistiam, discretamente, em fechar.

Foram os dois minutos mais longos vividos por Sirlene.

E, então, finalmente, um banheiro liberado, só para ela. Deu uma corridinha sobre o salto “Anabela” e com dificuldade para encaixar o pininho no buraco, fechou a porta.

Bolsa no “protótipo de mancebo”, baixou as calças e se agachou, sem tocar no vaso. Uma mão na parece e a outra no papel higiênico.

Roda para baixo... E, nada. Roda para cima, e nada.

O papel higiênico neste banheiro era aquele rolão, tipo atacado, que fica escondidinho dentro de um acrílico fosco, très chic. E, de novo, rola para baixo, rola para cima, e, naaaaada.

Aflita, Sirlene passou a mão violentamente rolando para baixo e, de repente, uma quantidade imensa de papel começou a sair, incessantemente...

Sirlene soltou a outra mão da parede e, agachada, tentando se equilibrar no “Anabela 15”, ainda pingando, colocou as duas mãos para tentar parar o movimento do rolo e aquele marrrr de papel. Fez movimentos de karatê, kung fu e, finalmente, quando aplicou as técnicas de jiu-jitsu, o rolo parou de rodar. Ufffffa!

Enquanto isso, o garoto esperava ansioso em frente à porta do banheiro feminino, olhando para o relógio.

Sirlene saiu daquele ínfimo espaço e seguiu para lavar as mãos sem olhar para trás.

Sabonete, água, secador... e ela seguiu para a porta de saída, seguida por uma série de meninas. Finalmente, ela conseguira. Aliviada, ela abriu a porta do “toalete” e sem ter tempo de disfarçar a cara de “ufa”, avistou o “gatinho” olhando para ela.

Uma mão na porta, um sorriso amarelo, e as meninas saindo atrás dela.

Neste momento, o garoto deixou seu sorriso amarelo para olhar para baixo e, embora tenha sido rápido para dizer a frase que se segue, não pôde evitar a tragédia:

“Tem um pap...” E, no instante preciso em que ele pronunciaria o “el”, Sirlene foi puxada para dentro do banheiro e a porta de mola se fechou.

Depois deste dia, não se soube mais de Sirlene.

O que se sabe é que o “gatinho” foi fazer uma reclamação formal à administração do shopping, que, diante da pressão, decidiu trocar os rolos de papel, por aqueles papéis higiênicos que parecem lenços que saem em um dispenser vertical.

O garoto... se elegeu vereador. E Sirlene ficou para a história dos banheiros de shopping como a “garota do higiu-jitsu – na época em que os papéis ainda vinham em rolos”.



domingo, 11 de setembro de 2011

11 de setembro, mídia, memória, apego e os mitos

Tomo a liberdade de citar um sútra – ou mensagem – de Pátañjali, codificador do Yôga Clássico, quem se acredita ter vivido por volta do séc. III a.C, período clássico da Índia:

“A serenidade da consciência é obtida mediante o cultivo da amizade, compaixão, alegria e indiferença, respectivamente aos que são felizes, infelizes, bons e maus”.

(retirado de Yôga Sútra de Pátañjali, autor da transliteração: DeRose)

Você deve estar pensando: e o que este sútra tem a ver com o 11 de setembro?

Quando presencio, repetidamente, ano após ano, os governos e a mídia colocarem em evidência o ocorrido em 11 de setembro de 2001, seja em âmbito mundial, seja em âmbito municipal, quando se trata da cidade de Campinas-SP (quem mora aí sabe do que estou falando), sinto-me incomodada.

Eu não quero julgar se as pessoas que morreram naquele dia merecem ou não ser lembradas, apenas entendo que devemos, como citou Pátañjali na mensagem acima, ser “indiferentes aos maus”. Quando esta autoridade para a filosofia do Yôga na Índia promulgou esta afirmação, ele tinha plena consciência do poder do reforço da memória, tanto para o bem quanto para o mal. Quando nos dispomos a lembrar daqueles que se foram naquela data, somos impelidos, obrigados como indivíduos, ou como mídia, a trazer à tona tudo o que ocorreu e o sentimento agregado aos fatos.

E este processo nada tem de construtivo. A sociedade se reúne para sofrer, invés de utilizar esta energia para construir algo bom e necessário.

Deveríamos ser indiferentes, porque quando damos importância a algo ruim, aos maus, sejam pessoas ou fatos, deixamos de valorizar os bons e o bem. Nós nos apegamos às pessoas que não voltam e à realidade que passou. Criamos um mito no sentido original, dispendendo tempo, dinheiro e outras energias para “celebrar”, reviver uma circunstância. E isso reforça os sentimentos de raiva, de tristeza, de decepção, de vingança e outros, que tenham surgido naquela data. As pessoas revivem, ano a ano, essas emoções e, embora haja exceções, muitas delas se aprisionam nesta emocionalidade e cultivam esta melancolia.

Devemos sim lembrar os que se foram, mas não importa o “como se foram” (sempre haverá um “como”), importa o que eles deixaram como legado, que seja promissor para aqueles que ficaram. Importa o que de bom e de feliz pode ser recordado como forma promover a felicidade dos que ainda vivem.

E a mídia não precisa tornar esta lembrança – que seria particular de cada indivíduo envolvido no acontecimento de alguma forma – em lembrança coletiva. O fato em si já teve impacto de grandes proporções na vida de toda a sociedade moderna, na história desta civilização. No entanto, não precisamos reviver e cultivar sentimentos tão pouco nobres, que minam nossas realizações e saúde.

Quando uma circunstância é revivida muitas vezes ela se torna um “mito”, e o mito nada mais é do que uma referência de comportamento, de atitudes, de formas de viver e de se relacionar. É a partir dele que se criam os arquétipos, ou modelos de ação, para toda a humanidade, presente ou futura. (Leia mais sobre isso em “Os arquétipos e o insconciente coletivo”, de Carl Jung, Ed. Vozes).

Portanto, proponho que revivamos momentos felizes e bons, conscientemente, mais do que momentos ruins e infelizes. Para que nossas referências, nossos arquétipos – que geram nossas ações impulsivas – possam promover cada vez mais, nos ambientes em que frequentamos e vivemos, alegria, felicidade, saúde, satisfação, bem-estar, tranquilidade etc.

Parece idealismo, mas escolher o que vamos pensar e lembrar, é tão simples quanto o nosso escovar os dentes do dia após dia, segue os princípios da vontade e da repetição.

Aline Daher