quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Quem é 'sem educação'?


A longa estrada a se percorrer...
Reflito. Reflito muito. Certo dia, deito a cabeça no travesseiro e me vem à mente: ‘tudo é aprendizado’. Afinal, o cérebro é o que traduz para o nosso corpo e para a nossa vida o que somos, o que temos, o que fazemos, o como, o onde, o para quê, o porquê e outras respostas.

Desde cedo aprendemos a sorrir, a desejar, a rejeitar, a ajudar, a amar etc. E pelo resto da vida, a aquisição de informações e conhecimentos e o uso deles para novas aquisições compõem um processo de eterno aprendizado.

No sistema formal de educação que segue, hoje, nossa sociedade, costuma-se dizer que um jovem “não aprendeu a ser educado” ou “não tem educação”, quando comete algum ato recriminado pela cultura em que se insere. Em verdade, todos nós somos educados, sem aspas; quero dizer, os processos, situações e vivências pelos quais passamos nos ensinam, nos educam (do latim, educare) – no sentido de instruir, criar, alimentar. Somos fruto desta “criação e alimentação” e continuamos sendo educados ao longo de toda a vida, por nós mesmos ou pelos outros.

Mas, hoje, muitos professores e pais dizem: “é muito mais difícil educar uma criança, um jovem” ou “o comportamento dos jovens é muito pior do que ‘antigamente’”. Sim, o comportamento de toda uma sociedade mudou e continua em transformação constante. A verdade é que as estruturas de base de nossa sociedade são, como Marx definira, econômicas e, portanto, as mudanças neste setor são muito mais lentas, fazendo com que toda uma infra-estrutura institucional – dependente do capital para sobreviver ou mudar – vá se arrastando carregada de tradições que não acompanham a velocidade das mudanças tecnológicas, do avanço do cérebro humano, da nossa capacidade de aprendizado e memória.

E assim, os adultos, responsáveis pela “educação dos jovens e crianças” se vêem diante de ferramentas muito modernas e conceitos ultrapassados, que não permitem um diálogo ou um envolvimento com as novas gerações. As crianças e jovens colocam-se numa posição de poder, desafiando os conhecimentos daquele que supostamente deveria “educá-lo, ensiná-lo” – pai ou professor. Por outro lado, os avanços tecnológicos fizeram crescer a ambição do homem em ser mais bonito (cirurgias plásticas e tratamentos estéticos em geral), mais inteligente (desenvolvimento de técnicas e ferramentas que melhoram o desempenho humano em diferentes áreas), mais rico (tecnologias que permitem ganhar dinheiro em menos tempo) e mais poderoso (com posição de autoridade na sociedade, do ponto de vista econômico, político, social e cultural).

É claro que acima descrevo as típicas ambições, não quer dizer que todos alcancem o que desejam, nem que elas são alcançadas todas por um único “homem”. Mas o que pretendo destacar é que estas ambições fizeram com que nos distanciássemos uns dos outros, para alcançar a glória individual, para sermos heróis, como na antiguidade, tão cultivados pelo homem moderno (Jesus Cristo é o principal, embora ele não tenha sido conceituado como “herói”, mas sim como “salvador”; os heróis bíblicos, governantes e guerreiros como Gengis Khan, Alexandre – O grande etc., até chegar ao Neo do filme Matrix ou ao Hiro da série Heroes).

Esta busca pela glória pessoal parece dificultar a compreensão do outro. O fim dos grandes relatos fez emergir infinitas histórias individuais e a desvalorização do outro para que sejamos valorizados.

Diante de tudo isso, o que existe, atualmente, é uma disputa de poder entre todos, inclusive entre professores e alunos, pais e professores. A tecnologia e a capacidade de aquisição de informações contraditórias ao mesmo tempo fizeram com que a formação da identidade das crianças e jovens fosse prejudicada. Sem maturidade ou orientação (de adultos) sobre o volume de informação e estímulos que recebem diariamente, estas novas gerações estão sem direção, perdidas no sem-sentido, incertas do caminho a seguir, e isto antes e depois da fase de pré- adolescência e adolescência – período em que estas sensações são consideradas “normais”, por médicos, psicólogos.

Enquanto nos anos que antecederam o advento da TV, os jovens demoravam talvez anos para conhecer as casas daqueles com quem conviviam, hoje, as casas, ambientes de trabalho, lazer etc. estão disponíveis na Internet e na TV, inclusive de pessoas completamente desconhecidas, com hábitos e comportamentos, muitas vezes, contrários aos da cultura em que o indivíduo que ‘assiste’ se insere. O nosso comportamento é muito estimulado pela “mimese” – a repetição do que observamos, ouvimos, sentimos etc., portanto, estes vídeos podem despertar desejos e provocar atitudes ou mesmo conflitos internos que dificultam a formação de sua identidade (cultural, social, psicológica, política) e até mesmo de seu caráter.

Por fim, como não podemos mudar o mundo em que vivemos, sugiro que comece, por si mesmo, a se disciplinar e selecionar os estímulos a que tem acesso e ensinar àqueles com quem convive, mais jovens ou não, filhos ou alunos, amigos...que façam o mesmo. O nosso maior compromisso nesta vereda é com a nossa própria educação. Se não podemos mudar todos os adventos que surgem, nem mesmo a forma como os outros os utilizam, temos que cuidar para que sejamos um modelo no que diz respeito a este compromisso conosco mesmos, a esta responsabilidade de sermos referência para o comportamento do outro, principalmente quando ocupamos posições de destaque, como pais, professores, educadores em geral.

Obs.: E se isso parecer ter qualquer pretensão de auto-ajuda, acredito, só poderá ser para mim mesma.

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